
São Paulo, 14 de fevereiro de 2025 – Em parceria com o Ministério da Saúde do Brasil, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) promoveu nos dias 12 e 13 de fevereiro, em São Paulo, uma reunião regional para catalisar a eliminação de doenças transmissíveis em contextos de privação de liberdade na América Latina. Participaram do evento responsáveis pelo tema de doenças transmissíveis nos Ministérios da Saúde, Ministérios da Justiça e Ministérios do Interior de 15 países da Região, além de parceiros, especialistas, pesquisadores, membros da sociedade civil e organismos internacionais.
O evento, que contou com a participação presencial de cerca de 60 pessoas e virtual de mais de 70 pessoas, criou um espaço para discussão dos desafios enfrentados pelos países das Américas em relação à disseminação das doenças transmissíveis nos ambientes prisionais, assim como para compartilhamento de conhecimentos, lições aprendidas e estratégias bem-sucedidas. Participantes do Brasil, Bolívia, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Paraguai, Uruguai, Chile, Colômbia, Costa Rica, Panamá, Nicarágua e Argentina estiveram presentes.
Segundo Monica Alonso, chefe da Unidade de HIV, Infecções Sexualmente Transmissíveis, Hepatites Virais e Tuberculose da OPAS, “as prisões na América Latina e no Caribe abrigam milhões de pessoas e a maioria delas vem de ambientes altamente vulneráveis. Além da vulnerabilidade preexistente, essas pessoas também enfrentam superlotação, violência, estigma e barreiras no acesso a serviços de saúde”. Esta situação contribui para a ocorrência e disseminação de doenças transmissíveis como o HIV, tuberculose, hepatite C e infecções imunopreveníveis, como hepatite B, sarampo, influenza e difteria. “Essas doenças não afetam apenas as pessoas privadas de liberdade, mas também aquelas que trabalham nas prisões, as pessoas que entram e saem desses ambientes, as crianças e a comunidade em geral”, acrescentou.
Nas Américas do Sul e Central, as taxas de encarceramento estão aumentando mais rápido do que em qualquer outro lugar do mundo. Dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) revelam que, em 2021, havia mais de 11 milhões de pessoas privadas de liberdade no mundo. Destas, 32% estavam nas Américas. Existem evidências crescentes de que a falha no controle de doenças transmissíveis nas prisões leva à disseminação dessas enfermidades fora das prisões.
Cíntia Rangel Assumpção, coordenadora-geral de Cidadania e Alternativas Penais da Secretaria Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil, ressaltou que eliminar as doenças transmissíveis no sistema prisional exige uma abordagem intersetorial e multidimensional, que inclui a melhoria das condições carcerárias. “Precisamos trabalhar sobre questões como a superlotação, a falta de condições mínimas de adequação de custódia dessas pessoas, que são fatores que contribuem para a disseminação das doenças. É urgente que tenhamos, como sociedade, a coragem de enfrentar essas questões e falar sobre o acesso universal à saúde. As pessoas encarceradas devem ter acesso ao diagnóstico precoce, tratamento adequado e acompanhamento contínuo, sem qualquer discriminação ou estigma.”
A OPAS divulgou as diretrizes que desenvolveu aos países para a eliminação da tuberculose, HIV, hepatites e sífilis em ambientes prisionais. Além disso, foram abordadas ações de imunização recomendadas para a população carcerária.
Artur Kalichman, coordenador-geral de Vigilância em HIV/Aids e diretor substituto do Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde do Brasil, celebrou a realização da reunião regional e a oportunidade de trocar experiências para construir e fortalecer políticas públicas baseadas em evidências e trabalhar pela garantia dos direitos humanos. De acordo com Kalichman, é essencial “ter momentos em que possamos discutir, pensar em como ampliar a capacidade de diagnóstico precoce e acessar e tratar as pessoas, sabendo que isso é uma ação de saúde pública que vai ter impacto dentro do presídio, mas também para o conjunto da coletividade.”
Pessoas privadas de liberdade são desproporcionalmente afetadas por determinadas doenças transmissíveis, como é o caso do HIV. As Américas também enfrentam uma alta carga de tuberculose na população carcerária, com um rápido crescimento da doença nos últimos anos e taxas de notificação 50 vezes maiores do que entre a população em geral. “As pessoas em prisões são 7,2 vezes mais propensas a viver com HIV que os adultos da população geral. Embora tenhamos dados limitados, estima-se que cerca de 15% da população prisional total sofre de hepatite C; 4,8% de hepatite B crônica; e 2,8% de tuberculose ativa. As pessoas em privação de liberdade são uma mostra representativa da sociedade em geral. É onde vamos poder encontrar essas temáticas que são tão importantes de abordar. É uma população muito abandonada”, disse Andrea Boccardi, diretora e representante do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) no Brasil.
A OPAS também apresentou aos países uma ferramenta para melhorar a saúde e o bem-estar em contextos de privação de liberdade a partir de uma perspectiva de direitos humanos, enfatizando que os países das Américas podem contar com apoio para sua utilização e aplicação.
Ao fim da reunião, foi traçado um roteiro com os próximos passos para avançar nesta agenda, incluindo criar um grupo regional de trabalho técnico, implementar a ferramenta de microplanejamento de vacinação em nível local com o apoio da OPAS, promover a discussão intersetorial em nível regional e informar, capacitar e promover ações com a sociedade civil para fortalecer a defesa e o trabalho nas prisões.