"A epidemia de influenza aviária representa uma ameaça real para os animais e uma ameaça potencial para os seres humanos".
Julho de 2023 (OPAS/OMS) - Em janeiro deste ano, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) alertou para surtos de influenza aviária de alta patogenicidade (IAAP) em aves nos países das Américas. Pela primeira vez, também foi confirmado um caso humano de influenza aviária A(H5N1) num país da América Latina. Desde então, 16 países notificaram casos em aves e outros animais e, até à primeira semana de julho, dois países confirmaram infecções humanas.
Conversamos com o Dr. Ottorino Cosivi, diretor do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa e Saúde Pública Veterinária (PANAFTOSA) da OPAS, com sede no Rio de Janeiro, no Brasil, sobre a situação da epidemia de influenza aviária na região e sobre a necessidade do trabalho coordenado entre os serviços veterinários e de saúde pública. Também discutimos estratégias de prevenção e controle em aves domésticas para mitigar o risco de transmissão do vírus para humanos.
Qual é a situação atual da influenza aviária na região?
Desde 2022, a região das Américas vem enfrentando uma epidemia de influenza aviária de alta patogenicidade associada ao subtipo A (H5N1) em animais. Esse vírus pertence a um grupo de vírus (chamado clado 2.3.4.4b) com mutações genéticas semelhantes às do vírus que se disseminou no final de 2020 e ao longo de 2021 na Ásia, África, Europa e Oriente Médio. Este mesmo vírus também foi detectado na América do Norte no final de 2021.
A epidemia resultou em uma alta morbidade e mortalidade entre aves domésticas, como galinhas e frangos, e em aves silvestres, representando uma ameaça real para os animais e uma ameaça potencial para os seres humanos. Até a primeira semana de julho deste ano, 16 países da América Latina e do Caribe relataram casos de influenza A(H5N1) em animais. Embora casos de influenza de alta patogenicidade tenham sido relatados em anos anteriores, especialmente na América do Norte, um surto dessa magnitude nunca ocorreu antes na região.
Existe a preocupação de que o vírus esteja infectando outros animais além das aves?
A ocorrência de casos de influenza A(H5N1) tanto em mamíferos, quanto em animais silvestres e domésticos é preocupante. A principal preocupação é que o vírus possa apresentar adaptabilidade a diferentes espécies, especialmente mamíferos que podem ser biologicamente mais próximos dos seres humanos. Portanto, é fundamental que os sistemas de vigilância de influenza nacionais, regionais e globais existentes monitorem de perto os vírus circulantes nesses animais a fim de detectar possíveis mudanças e adaptabilidade para a transmissão humana. Isso também se aplica a outros subtipos de influenza aviária, não apenas ao A(H5N1), mas também como a outras influenzas zoonóticas, como a gripe suína.
Por que a vigilância da influenza animal e a detecção precoce de casos são importantes?
A vigilância adequada da presença de influenza aviária em aves nos permite saber quais subtipos de influenza estão em circulação. Ela também nos permite detectar a presença de vírus com um caráter zoonótico mais acentuado, ou seja, possivelmente apresentando alterações que podem resultar em maior adaptabilidade para transmissão em humanos, o que é importante para a saúde pública. A detecção precoce também permite que os países implementem ações de resposta rápida para mitigar o risco de transmissão do vírus aos seres humanos.
As aves ou outros animais com influenza aviária precisam ser abatidos?
O abate de aves domésticas é uma das estratégias recomendadas pela Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) e pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) para controlar e erradicar o vírus antes que ele se espalhe ainda mais. Embora, essa não seja a única ferramenta, senão que também é importante realizar uma quarentena de forma adequada nas zonas afetadas, restringir a movimentação dos animais, reforçar os protocolos de biossegurança e realizar uma vigilância intensiva nas áreas próximas ao surto. Não existe um conjunto único de medidas para todos os países. Cada resposta deve ser adaptada à população animal, ao contexto epidemiológico e à disponibilidade de outras ações de controle, principalmente no caso de animais de alto valor ecológico.
Alguns países do mundo já estavam vacinando as aves antes desse surto e outros começaram a vacinar contra a influenza aviária este ano. A vacinação de animais é recomendada?
A vacinação contra a influenza aviária em aves é uma ferramenta que pode ajudar a reduzir a incidência e a mortalidade da doença, além de ajudar a controlar a transmissão. Entretanto, para implementar essa estratégia, os países devem selecionar a vacina mais adequada para o tipo de vírus em circulação, definir a estratégia de vacinação (por exemplo, se é uma vacinação de emergência ou preventiva), estabelecer a população de animais a ser vacinada e garantir o monitoramento adequado dessa população para detectar qualquer possível transmissão do vírus, bem como a vigilância para detectar alterações no próprio vírus.
O PANAFTOSA trabalha diretamente com os serviços veterinários dos países. Como vocês coordenam seu trabalho com as autoridades de saúde humana?
A coordenação entre as autoridades de saúde pública e animal sobre a influenza aviária é crucial. Juntamente com a Unidade de Gestão de Ameaças Infecciosas do Departamento de Emergências de Saúde da OPAS promovemos o trabalho intersetorial na interface humano-animal por meio de recomendações regionais e da prestação de assistência técnica aos países.
Qual é o risco de transmissão da influenza aviária de pessoa para pessoa?
Sempre que os vírus da influenza aviária circulam em aves domésticas, aves silvestres ou mamíferos, há um risco de infecção humana esporádica e de que sejam registrados pequenos grupos de casos por meio da exposição à animais infectados ou ambientes contaminados. Até o momento, os casos em humanos de influenza aviária associados a esta epidemia de A(H5N1) são casos isolados. Três casos humanos por A(H5N1) foram relatados até o momento na Região: nos Estados Unidos (abril de 2022), no Equador (janeiro de 2023) e no Chile (março de 2023). A transmissão de pessoa para pessoa não foi identificada em nenhum desses casos. No entanto, é essencial manter e fortalecer a vigilância, pois não podemos ignorar o risco de uma possível pandemia decorrente de um vírus da influenza aviária.
O que o PANAFTOSA recomenda aos países para prevenir ou controlar os surtos de influenza aviária em animais?
Os países precisam ter um plano de contingência completo e atualizado para surtos. Existem recomendações específicas de outras organizações como a FAO e a OMSA. É importante que as equipes envolvidas na vigilância e na resposta à influenza animal estejam treinadas para implementar esses planos em caso de emergência e contar com os recursos necessários. Também é fundamental que os produtores de aves reforcem a biossegurança em suas instalações, evitando o contato entre aves domésticas e aves silvestres, inclusive por meio da água e da ração.
Os produtores também desempenham um papel fundamental na detecção precoce da doença e precisam ser capazes de reconhecê-la e relatá-la às autoridades veterinárias para que a influenza aviária possa ser descartada ou confirmada a tempo, e para que sejam tomadas as medidas adequadas. A detecção precoce facilita uma resposta oportuna, ajudando assim a reduzir a disseminação do vírus.
Os indivíduos ou famílias que mantêm aves para consumo pessoal também devem estar bem informados sobre como reconhecer uma ave infectada, quais medidas tomar e como se proteger adequadamente.
O que pode ser feito para prevenir e reduzir o risco de que as pessoas sejam infectadas?
O controle da influenza aviária nas aves é uma forma de reduzir o risco de transmissão para os seres humanos. Qualquer trabalhador que manipule aves selvagens ou domésticas deve ter conhecimento adequado de biossegurança e medidas de proteção. Recomendamos que as autoridades veterinárias trabalhem em parceria com o setor de saúde pública para treinar todos os envolvidos na produção de aves, bem como aqueles que trabalham com a fauna silvestre. Além de conhecer os protocolos, os trabalhadores também devem ter equipamentos de proteção adequados para o manuseio de aves, incluindo roupas de proteção específicas para essas tarefas, bem como luvas e máscara. Se uma pessoa encontrar uma ave silvestre ou doméstica morta, moribunda ou doente, ela deve evitar tocá-la ou manuseá-la, e deve informar imediatamente os serviços veterinários oficiais.
O que a OPAS está fazendo?
A OPAS trabalha com os países da região e outras agências para fortalecer a vigilância do vírus em aves e seres humanos e fornece assistência técnica para a detecção, tratamento e investigação oportuna da infecção pelo vírus da influenza aviária A (H5N1) em seres humanos. A organização também trabalha para fortalecer a capacidade laboratorial dos serviços veterinários e de saúde pública nacionais para que eles tenham a capacidade de diagnóstico adequada para identificar a presença do vírus da influenza aviária e detectar alterações em sua composição genética.