Brasília, 20 de outubro de 2023 (OPAS)–Docentes de Enfermagem da Guiana e de outros cinco países e territórios do Caribe participaram no Brasil de um treinamento sobre simulação clínica, uma metodologia educativa que recria cenários da prática profissional em um espaço controlado, participativo e interativo.
A formação foi promovida em setembro último pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), que é o Centro Colaborador da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem.
O treinamento é parte de um acordo de cooperação entre o Centro Colaborador e o Governo da Guiana, existente desde 2016, com o objetivo de fortalecer o projeto de desenvolvimento curricular de enfermagem no país, que está passando por um processo de reformulação em cooperação técnica com a OPAS.
Segundo a diretora do Centro Colaborador da OPAS/OMS, Carla Ventura, o treinamento no Brasil oportunizou a troca de conhecimentos e forneceu ferramentas para que os tutores possam implementar as técnicas e metodologias de simulação de Enfermagem de forma a qualificar o ensino da enfermagem em seus países.
“Dentro desse projeto na área clínica, que é crucial e necessária na enfermagem, identificamos a necessidade de estabelecer laboratórios de simulação. No entanto, como [na Guiana] ainda estão no processo de aquisição desses materiais e na organização da estrutura física, percebemos a oportunidade de criar esse curso para que eles também possam conhecer a nossa realidade”, destacou.
A necessidade de fortalecer a formação dos profissionais da enfermagem é compartilhada por muitos outros países da região das Américas que enfrentam déficits de disponibilidade de recursos humanos. Por isso, com apoio da OPAS, outros cinco países do Caribe – Granada, Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados e Ilhas Turcas e Caicos – foram convidados a enviar profissionais para esta formação.
Em visita no mês de julho ao Brasil, o diretor da OPAS, Jarbas Barbosa, esteve reunido com as equipes do Centro Colaborador para o Desenvolvimento da Enfermagem, em São Paulo. Na ocasião, ele destacou a importância de cooperações como essa para o fortalecimento da formação de recursos humanos na Américas. Para a OPAS, a força de trabalho de enfermagem é um dos elementos-chave para a construção de sistemas de saúde resilientes, que respondam às necessidades de saúde da população, e para avançar em direção a uma maior equidade na saúde.
Montagem dos cenários
A comitiva com 22 docentes de enfermagem participou de uma série de atividades de 18 a 29 de setembro, em Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo. Os participantes puderam conhecer mais sobre os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil, por meio da visita às instalações de saúde.
Após as visitas e as atividades teóricas, os docentes puderam colocar em prática os aprendizados sobre como criar cenários para simulação, produzir maquiagens que apoiem o aprendizado e vivenciar na prática exercícios simulados.
A montagem dos cenários de simulação foi um dos elementos mais importantes do treinamento. No dia 23 de setembro, os docentes tiveram a oportunidade de construir cenários sugeridos por eles e adaptados às necessidades de seus países. A metodologia para construção de cenários é baseada nas diretrizes da International Nursing Association for Clinical and Simulation Learning (INACSL).
Os tutores foram divididos em quatro grupos e construíram cenários para: manejo de convulsão, manejo de hemorragia no pós-parto, síndrome respiratória aguda e comunicação com o paciente.
O cenário do manejo de convulsão foi testado e envolveu como voluntários dois docentes no papel de enfermeiros, outros dois no papel de facilitadores e um no papel de paciente. Os demais participantes acompanharam a simulação e tomaram notas. Após a simulação foi realizada uma avaliação da atividade.
A professora Fernanda Gimenes de Sousa explicou que a atividade “permitiu compreender os diferentes papéis de um cenário de simulação, a importância do planejamento do cenário e das diferentes fases da simulação e como estas se articulam, bem como a importância de disponibilizar pistas para os estudantes durante o treinamento”. Também permitiu “sedimentar o conhecimento, por meio da articulação do conteúdo discutido no dia anterior com essa atividade prática.
Outra técnica trabalhada chama-se Moulage, na qual os docentes aprenderam a fazer maquiagens para a preparação de exercícios simulados. No dia 27 de setembro, foram praticadas moulages de queimaduras, lesões, fluidos corporais como vômito, fezes e sangue, e “pé diabético”, que são alterações que podem surgir em pacientes com diabetes não-controlada, como feridas que não cicatrizam.
De acordo com a professora Lucila Castanheira Nascimento, o foco da atividade foi apresentar aos participantes sobre como adaptar a técnica aos recursos que eles têm disponíveis de forma a garantir um aprendizado efetivo e bastante fidedigno.
Um dos participantes do treinamento, Blessing Josiah, destacou a moulage como uma ferramenta simples, mas valiosa para tornar os cenários mais realistas e envolventes. “Aprendi que a simplicidade é importante na prática de simulação. Isso ajuda os estudantes a se concentrarem nos objetivos claros e não se sentirem sobrecarregados pela complexidade do processo de simulação”, destacou o tutor que mora nas Ilhas Turcas e Caicos e atua no Turks and Caicos Islands Community College, única instituição pública de ensino superior que forma enfermeiros no país.
Diferentes simulações
As técnicas de simulação são divididas em baixa, média e alta fidelidade. A professora Fernanda Gimenes explica que cada técnica tem um objetivo, no caso da baixa fidelidade o foco está no desenvolvimento de habilidades. Isso quer dizer que o espaço não é tão complexo e incrementado, normalmente os participantes focam em uma parte do corpo ou em uma ação específica.
As instalações dos laboratórios da EERP-USP, Centro Colaborador da OPAS/OMS, oferecem ambientes semelhantes aos encontrados em hospitais, unidades de saúde e residências. Além disso, possuem a infraestrutura necessária para o ensino, que envolve desde habilidades processuais básicas (com manequins não interativos) até simulação de alta fidelidade, apoiada em tecnologias de alta complexidade (com manequins interativos). Isso permite o desenvolvimento da maioria dos cenários da prática profissional em um ambiente controlado, participativo, interativo e seguro.
Ainda no dia 27 de setembro, os participantes aprenderam duas técnicas de baixa fidelidade em cenários com gestantes e na resolução de uma situação de engasgo infantil.
As práticas seguiram no dia seguinte, com outra simulação de baixa fidelidade, de punção arterial. Divididos em grupos, os participantes puderam testar como obter uma amostra de sangue arterial para análise dos níveis de oxigênio, dióxido de carbono e equilíbrio ácido-base.
Para a simulação, foram seguidas 28 etapas, desde a higienização das mãos com sabão e água ou solução à base de álcool, orientações para os pacientes, localização da artéria radial a ser puncionada, descarte adequado dos materiais, transporte, registro dos dados do paciente e interpretação dos resultados.
Nicola Nero, da Guiana, destacou a relevância de aprender a criar cenários simulados nos diferentes níveis de fidelidade, com a utilização de modelos, amostras de órgãos humanos, e parasitologia nas diferentes fases. Ela relata que o conhecimento adquirido será disseminado em seu país.
“Pretendo voltar à Guiana e fornecer treinamento a outros membros do corpo docente (educadores de enfermagem), que então transmitirão seu conhecimento e habilidades aos alunos de enfermagem em formação. Pela primeira vez, nosso país lançou uma abordagem híbrida para o programa de treinamento em enfermagem profissional e utilizará o treinamento em simulação recebido para orientar os alunos da Guiana”, destacou Nicola Nero, que é Oficial de Enfermagem e atua no Ministério da Saúde guianês, na área de Educação em Ciências da Saúde.
No dia 29 de setembro, os tutores participaram de um cenário de alta fidelidade, no qual eles tiveram que identificar os fatores de risco de aspiração broncopulmonar, que é a condição em que alimentos, líquidos, saliva ou vômito são aspirados pelas vias aéreas, relacionados à nutrição enteral, que é uma forma de alimentação para pacientes que não devem ou conseguem se alimentar pela boca. A simulação foi realizada a partir do cenário de um paciente de 67 anos, internado na enfermaria clínica para tratamento de desnutrição relacionada à cirrose hepática.
Este tipo de simulação oportuniza uma série de interações para os estudantes, como o piscar de olhos do paciente, movimento de caixa torácica, choro, tosse, entre outros. A partir da sala de controle, os docentes interagem com os estudantes e as respostas do paciente no simulador vão sendo alteradas de acordo com as tomadas de decisão dos estudantes.
Os participantes que não atuaram na prática da simulação, acompanharam o cenário como observadores. O treinamento se encerrou com a avaliação dos grupos sobre as atividades e práticas.
Os próximos passos incluem o seguimento do desempenho dos professores que participaram da capacitação com vistas a garantir resultados e impacto na disponibilidade de profissionais de enfermagem com formação integral e inovativa. Além disso, a OPAS sistematizará a experiência, em coordenação com a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, e compartilhará o processo com outros países da Região das Américas.
Mais fotos do treinamento: https://flic.kr/s/aHBqjAXkDM