A pandemia de COVID-19 tem aprofundado os desafios das comunidades mais vulneráveis. Em países como a Costa Rica, os migrantes enfrentam obstáculos ainda maiores. Entre a crise sanitária e as dificuldades econômicas, milhares de famílias sofrem as consequências de um futuro incerto.
SAN JOSÉ, Costa Rica- É um sábado rotineiro. Francisca Esperanza Ayala, de 37 anos, brinca com três de seus quatro filhos: Tayra (11), Galilea (6) e Wilton (1). O maior, Ian (18), hoje está cuidando de sua avó. Francisca é tímida e calada, ao contrário de seus filhos. Galilea é curiosa, Tayra é uma líder natural e Wilton é o centro das atenções com todos os seus gestos.
A história desta família começa na Nicarágua. Depois da morte de seus pais, Francisca emigrou para a Costa Rica quando tinha apenas 10 anos para se encontrar com sua irmã Vitória, que tinha se radicado no país há muitos anos. Atualmente, Francisca vive com seus filhos em La Carpio, parte do distrito de La Uruca, a oeste de San José.
De acordo com o Ministério de Habitação e Assentamentos Humanos (Mivah), cerca de 25.000 pessoas vivem nos 23 quilômetros quadrados que compõem esta comunidade, embora existam organizações como o Sifais que estimem a população atual em cerca de 50.000 pessoas. Segundo o pesquisador da Universidade da Costa Rica, Carlos Sandoval, La Carpio tem a maior comunidade de nicaraguenses da Costa Rica e a maior comunidade binacional do país.
Durante 2020, a pandemia de COVID-19 aprofundou os desafios dos migrantes em vários níveis. Francisca conheceu seu marido, Manuel Salvador Munguía, em uma festa na Costa Rica. Primeiro começaram a sair, depois foram morar juntos e formaram uma família. Manuel também é nicaraguense, um dos 287.000 registrados pelo último censo nacional (2011). Em plena crise sanitária, começou a se sentir mal e teve que regressar a seu país para poder ser atendido, pois na Costa Rica não contava com seguro de saúde. Ele tem câncer e há quatro meses vive separado de sua esposa e de seus filhos enquanto continua seu tratamento.
A pandemia também resultou em problemas sociais e econômicos. Na Costa Rica, a taxa de desemprego alcançou 22% no último trimestre de 2020, segundo a Pesquisa Contínua de Emprego realizada pelo Instituto Nacional de Estatística e Censos. Francisca é uma das protagonistas desse número. Ela trabalhava limpando uma casa dois dias por semana, mas em meio à pandemia foi demitida, já que uma idosa morava na casa e eles tinham medo da possibilidade de contágio por meio de visitas externas.
Francisca está há quatro meses sem conseguir emprego. Foi demitida por medo, esse medo do contágio e da doença. Mas em sua busca por um trabalho enfrenta diariamente outro tipo de medo, um obstáculo invisível: o estigma pelo lugar onde mora. “Tenho medo, mas confio em Deus. Sempre que saio na rua, cada vez que volto, tomo banho, porque gosto de cuidar das crianças. Mas um dia estava no ônibus e uma senhora foi se afastando de mim, como se eu… Só fiquei vendo e não pensei nisso nem nada”, confessa Francisca ao relembrar sua experiência em um ônibus de La Carpio.
O Ministério da Saúde da Costa Rica priorizou a vigilância do comportamento do vírus em 33 comunidades de alto risco em relação à proximidade de suas fronteiras com a Nicarágua e o Panamá, como Upala, Los Chiles, Sixaola e San Vito, ou por sua alta densidade populacional, como Los Quadros, Alajuelita, Guidos e La Carpio. A aglomeração, o acesso limitado à água e a dependência de emprego informal aumentam as possibilidades de contágio nessas comunidades.
Francisca não teve COVID-19, mas essa é a primeira pergunta que lhe fazem em cada entrevista de trabalho. “Se teve, então não posso contratá-la”, conta que chegou a escutar. Enquanto isso, se concentra em apoiar seus filhos nos estudos. Tayra acaba de ser aprovada no 4º ano da escola graças ao apoio de sua tia, que serve de intermediária — via WhatsApp — entre a professora e a menina. Francisca não tem celular nem acesso à internet.
Enfrentou os meses sem emprego e sem o apoio de seu marido com a ajuda de seu núcleo familiar. “Minha família é muito importante para mim porque com isso que está acontecendo com meu marido, minha irmã mais velha se uniu bastante a mim e me apoia sempre. Se falta algo, ela traz coisas, compra para mim. Ela sempre foi assim, como se fosse minha mãe”.
A história desta família dividida entre a Costa Rica e a Nicarágua continuará no contexto de uma pandemia imprevisível. Francisca tem duas grandes preocupações: trabalho e saúde. Por um lado, espera que a saúde de seu marido melhore. Também espera que vá bem na entrevista que tem nos próximos dias. Quer, sobretudo, que suas meninas possam voltar à escola. Retornar de uma vez à rotina.