Washington, DC, 24 de outubro de 2022 (OPAS)- Em 1994, a Região das Américas foi a primeira do mundo a receber a certificação como livre de pólio pela Organização Mundial da Saúde (OMS), um marco alcançado após o esforço conjunto dos países com o apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). No entanto, em 2021, as taxas de vacinação em crianças com as três doses da vacina contra a poliomielite caíram para 79%, colocando a região em risco de reintrodução da doença.
Recentemente, um homem não vacinado de 20 anos nos Estados Unidos, que apresentava paralisia, foi diagnosticado com o poliovírus derivado da vacina (VDPV), uma cepa relacionada ao poliovírus enfraquecido contido na vacina oral contra a poliomielite (OPV). Em raras ocasiões, ao se replicar no trato gastrointestinal, a cepa pode se espalhar em comunidades que não estão totalmente vacinadas contra a poliomielite.
Para o Dia Mundial da Pólio, conversamos com Daniel Salas, chefe de Imunização da OPAS, sobre a situação e o que o recente caso relatado implica para as Américas.
1. A região das Américas foi declarada livre da pólio em 1994, por que estamos vendo novos casos?
Embora a pólio tenha sido eliminada da região das Américas em 1994, a terminologia mais correta é que eliminamos a transmissão do vírus selvagem da poliomielite nas Américas. A doença persiste em alguns países, principalmente no Afeganistão e Paquistão, onde há uma transmissão ativa do tipo 1 do vírus selvagem da pólio. O tipo selvagem é o vírus em sua forma natural.
Houve um novo caso de pólio em nossa região recentemente devido a uma cepa de mutação derivada da vacina oral contra a pólio, que pode recuperar sua força para ganhar a capacidade de circular no meio ambiente, mais comumente em águas residuais. Isto é o que chamamos de "vírus da poliomielite derivado da vacina" (VDPV), que é incomum. Esta foi a causa da paralisia no recente caso da pólio nas Américas, que foi relatado no estado de Nova York, nos Estados Unidos. O caso ilustra a necessidade de fortalecer a capacidade dos países em detectar cada caso provável de maneira oportuna.
É importante identificar e impedir a propagação do vírus para que não tenhamos um surto de poliomielite. A única proteção contra a poliomielite é a vacinação.
2. O resto da Região das Américas deve se preocupar?
Sim, o risco de reintrodução da poliomielite é real. Estamos preocupados porque milhões de crianças não estão sendo vacinadas e outros milhões estão sem todas as doses completas, o que abre uma oportunidade para o vírus. Este grupo de crianças não vacinadas tem crescido nos últimos anos, e especialmente durante a pandemia, quando a cobertura da vacinação contra a poliomielite diminuiu ainda mais. Temos agora uma cobertura regional da pólio de 79% quando deveríamos ter 95% ou mais para evitar surtos. Isto significa que temos muitas crianças que estão suscetíveis a serem infectadas pela poliomielite. Ao mesmo tempo, os sistemas de vigilância diminuíram em qualidade, o que compromete a detecção oportuna dos casos. Como sabemos, a pólio causa paralisia muscular permanente, é irreversível, mas com o esquema completo de vacinação, podemos preveni-la.
3. O fato de a cepa da pólio encontrada nas águas residuais ser um poliovírus derivado de vacina (VDPV) indica que as vacinas não são seguras?
Não, as vacinas são muito seguras e eficazes, esta foi uma transmissão muito rara. O caso em Nova York, neste ano, envolveu um indivíduo não vacinado que se contaminou com a pólio do VDVP circulando nas águas residuárias. Isto é muito raro e o indivíduo estava vulnerável por não ser vacinado.
4. Qual é a diferença entre as vacinas orais e injetáveis contra a poliomielite?
A vacina oral inclui uma versão do vírus muito fraca, que geralmente não causa a doença nas pessoas em que é aplicada. Ela confere proteção ao intestino, o que significa que, se essa criança for exposta, o vírus não vai progredir ou se multiplicar no sistema gastrointestinal. Apenas um caso em 7,6 milhões de doses administradas com este tipo de vacina pode progredir para paralisia flácida associada a vacina. Mas isto é muito improvável e não significa que seja transmissível. Do ponto de vista da saúde pública, a vacina oral aumenta a imunidade de rebanho.
A vacina injetada gera uma boa resposta de anticorpos, mas não produz proteção gastrointestinal. Assim, se você tiver comunidades com grupos de crianças não vacinadas e o poliovírus infectar uma criança que foi vacinada com a vacina injetada, a criança será protegida contra paralisia, mas o vírus ainda pode se replicar em seu sistema gastrointestinal e potencialmente se espalhar através de fezes e águas residuais, e dessa forma infectar outras pessoas.
*No Brasil, todas as vacinas contra a pólio são oferecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em cinco doses. Injetável aos 2, 4 e 6 meses de vida e gotinhas aos 15 meses e 4 anos de idade. Para a proteção total, é fundamental que o esquema vacinal esteja completo.
5. O que a OPAS está fazendo após o recente ressurgimento da poliomielite?
Estamos trabalhando para fortalecer os programas de imunização nas Américas. Não apenas contra poliomielite, mas para aumentar a cobertura e atingir nossa meta de 95%. Estabelecemos um sistema de priorização, com alguns países em alto risco de reemergência ou surtos de pólio. Estamos enfatizando o fortalecimento das capacidades de vigilância e do aumento da cobertura vacinal. Estamos cientes de que alguns dos financiamentos para programas de vacinação diminuíram durante a pandemia da COVID-19 e estamos fazendo um chamado à ação para aumentar o financiamento público para a vacinação porque a saúde de nossas crianças é de responsabilidade de todos.
6. Uma pessoa com poliomielite pode ser curada?
Não há cura para a poliomielite, uma vez que você tenha a paralisia não há como regenerar os nervos que permitem que você ande ou recupere a função motora. A poliomielite é uma doença irreversível, mas podemos preveni-la se nos certificarmos de que todas as nossa crianças estão vacinadas oportunamente.
7. Qual é o tratamento da poliomielite?
Há possibilidades de oferecer fisioterapia para recuperar algumas das funções do músculo afetado, mas não é possível ter uma reversão completa. Em alguns casos, a paralisia é tão agressiva que pode paralisar os músculos respiratórios e a pessoa pode morrer por não conseguir respirar. Portanto, não é apenas a possibilidade de estar em uma cadeira de rodas que estamos tentando evitar, algumas pessoas morrem de pólio devido a dificuldades respiratórias.
8. Qual é o limite de idade para receber a vacina?
Em geral, a prioridade é a vacinação de crianças menores de 6 anos, porém, se houver crianças que não tenham recebido o esquema completo de vacinação, o programa pode estender a vacinação até os 10 ou 15 anos de idade. Dependendo da análise de risco e também dos recursos disponíveis em diferentes países.